O burro, a tasca e o viajante

Aborrecido com nuances da realidade, dei por mim a subir a escadaria que dá acesso à terra da fantasia. Não a julgava assim, tinha esperanças de algo mais…fantasioso. Mas não, escadas normais, de unicórnios nem sinal, fadas com propostas nem vê-las e os ogres devem estar de férias no início de Julho. Tendo tempo, resolvo dar uma volta.

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Nem 50 passos tinha dado quando avisto um burro, mas dos assumidos. Começo a suspeitar que já poderei estar na terra da fantasia, pois o burro guarda a porta de uma tasca vazia e, perante tal cenário, não tenho outra hipótese senão ir ter com ele.

O que se passou a seguir não posso reproduzir de modo fiável sem colar selos na minha caderneta de doido. Portantos, fiquemos pela descrição geral – o burro barrou-me a entrada, mas foi eloquente na razão porquê, afinal de contas não tinha qualquer motivo para me fazer a mim passar por aquilo que ele já era. Explicou-me que na terra da fantasia, homens não entram em tascas, estão reservadas a animais comuns, nomeadamente burros. Quando lhe perguntei qual a razão de tal regra, a resposta foi simples – os animais precisam de sítios para beber e esquecer a convivência com os humanos, deixá-los entrar seria perverter a lógica.

Acatei, pensando que discutir com burros nunca levou a lado nenhum, especialmente quando falam melhor que nós. Embora continuasse com sede, achei que já tinha digerido a minha dose necessária de fantasia e voltei para a escada. Ainda ouvi o burro queixar-se ‘Só me faltava mais um gajo a chatear-me pela manhã, como se ser burro não fosse razão que chegue para beber logo de manhã’.

Acelerei o passo rumo ao mundo real, com uma estranha saudade de convívio com burros, mas daqueles não assumidos.