Fui a um restaurante e só tinham conceitos na ementa

Ver restaurantes (e mais uma mão cheia de estabelecimentos) todos super horny com a cena dos ‘conceitos’ é quase tão mau como vê-los visitados por baratas com problemas de atitude.

Ainda me lembro quando locais modernos de restauração só ambicionavam a ser gourmet. Tudo bem que já havia uma marca de comida de gato com esse nome, mas pronto, era só ligeiramente provinciano pensar que, por exemplo, havia ‘hamburgas’ de sangue azul.

Mas a febre foi alastrando e já não bastava ser gourmet, era preciso ser ‘do bairro’, ‘da esquina’, ‘do beco com cheiro a mijo’ e de qualquer sítio que pudesse vagamente ter o aroma da ‘portugalidade e da tradição’.

Só que, como alguns portugueses descobrem, às vezes ser de Portugal por si só não chega. Veio então a vaga das ‘qualquermerdarias’ que, cavalgando êxitos simples do passado como ‘gelataria’ ou ‘padaria’ resvalou inovadoramente para a ‘empanadaria’, ‘caracolaria’ e qualquer bizarria que eventualmente daria, mesmo não dando.

Os mashups vieram logo a seguir, com a ‘corataria do bairro’, a ‘rissolaria da esquina’ ou outras demências do género.

Por esta altura já comíamos soufflé de naming, com lascas de bullshit balsâmico. Mas ainda havia mais.

Como se adivinhava, numa era em que parecer é muitas vezes mais valorizado do que ser, surgem cada vez mais locais de restauração que promovem desde o primeiro momento um ‘conceito’, por norma cheio de storytelling em que a comida tem, com sorte, um papel secundário. Ou pior, é comida ‘sem tempero’ que confunde conceito e histórias com o dito cujo.

Desafio-vos a procurar online e vão ver que muitos restaurantes de topo já não vivem sem um conceito e o problema não é a minoria que os tem bem definidos (com base numa visão e sua execução). O grande problema é a proliferação de pseudo-ideias e chavões mal temperados a par de histórias ‘inspiradas em como a nossa avó fazia’, mas em que o menu tem tostas de abacate e salmão fumado, porque a sopa de cavalo cansado mais fiel à verdade pode não vingar.

Acreditem, eu sou uma pessoa que gosta de palavras e de ideias, se calhar estas duas coisas até já me ajudaram a ter dinheiro para ir a restaurantes, mas há (ou devia haver) uma linha de bom senso. Se só precisam de um nome, há espaço para nomes pipi (politicamente em voga), trocadilhos ou, simplesmente, as coisas como elas são, desde que estes destaquem ou sejam sinónimo da qualidade/tipo do queremos servir às pessoas.

Se queremos consolidar uma visão, há margem para as histórias que ajudaram espaços e pessoas ligadas à restauração a ter o seu lugar no meio. Mas, no meu modesto entender, deviam ser um acompanhamento e não o prato principal como tantos nos tentam servir à bruta.

Imagino, por exemplo um sítio como a Tasca da Badalhoca (e certamente alguns amigos do Norte me vão dizer que se calhar aquilo já foi melhor ou coisas parecidas, etc) a enviar um press release a comunicar que vai abrir um spot dedicado a sushi de fusão:

‘Sushi de fusão é badalhoquice? Venha descobrir por si.‘

Engraçado? Talvez, mas não faz sentido nenhum.

Enfim, no final não há conceito e nome que te sustente o negócio, pelo menos de forma duradoura, se a comida não fizer a diferença (e mesmo assim, nem tudo é garantido). E mesmo que me digam que as pessoas se cansam, que o que é novo tem sempre mais apelo, nem isso é totalmente verdade, nem o facto de ser novo faz com que tenha que ser um saco cheio de nada mascarado de semântica.

E agora vou almoçar conceito à Brás que sobrou ao jantar de ontem.

Tens a certeza disso que dizes?